domingo, 26 de abril de 2009

Mail 01 - Him

01 - Ele*

*Obs.: A despeito do título em inglês, o pronome pessoal oblíquo "Him" é traduzido aqui livremente como "Ele", quando na verdade, usado sozinho dessa forma, seria melhor adaptado se traduzido em português para "a ele". O que houve aqui foi apenas a questão da sonoridade, por isso optei por "Him" ao invés de "He" (e também para polemizar mesmo).*

"Todas as histórias tem um começo, mas nem todas elas chegam a ter um fim."


- ... ele acordou.

A Dra. Duarte esfregou os olhos algumas vezes antes de encarar a sua assistente, que parecia estar muito aflita. Endireitou-se na cadeira e esticou os braços, espriguiçando-se. Segundos depois, conteu um bocejo, enquanto ajeitava o cabelo por trás da orelha. O relógio na parede marcava exatamente três horas. Era uma madrugada fria, sem tantos transtornos. Uma rara oportunidade para se dar um merecido descanso. Há dias a doutora não tinha uma boa noite de sono. "Droga. Será que nunca vão me deixar dormir em paz? Dormir e sonhar. Nossa! Ah, como sinto saudades dos sonhos picantes das noites de inverno, quando eu era uma doce adolescente. Mas agora, tudo o que tenho é trabalho e mais trabalho! Nunca vou conseguir descansar aqui...", pensou, aborrecida, enquanto brincava com uma caneta esferográfica, passando-a por entre os dedos. Mas logo derrubou a caneta no chão, devido ao susto provocado pela voz chiada de sua assistente. "Aff..." Nunca iria se acostumar com isso.

- Doutora...! Por favor, diga alguma coisa!

- Dizer o quê?! Laura, eu não disse para não me pertubarem? Ando muito cansada, eu preciso de uma noite de sono, sem nenhum incômodo, entendeu?!

- Mas Dra. Duarte, a senhora ao menos me escutou? - insistiu Laura. Aquela voz chiada conseguira se tornar ainda mais aguda. Isso era bastante preocupante. Na verdade, era pertubador.

- Mas é claro... - a doutora escolhia bem as palavras - Eu a ouvi, mas como estava um pouco sonolenta, não tenho certeza do que ouvi...

- Doutora, ele acordou!!! - chiou a assistente, que suava e ofegava copiosamente. A Dra. Duarte deu um largo bocejo.

Então, ela finalmente entendeu. Sua boca permaneceu aberta; seus olhos se arregalaram. A assistente se deu por vencida e desabou na cadeira mais próxima, ainda suando muito.

- Laura! Você está me dizendo que ele acordou?!! O paciente de "prioridade um"? O garoto da Corporação?

Laura confirmou com a cabeça. A doutora estava pálida. "Não pode ser verdade. Isso não está acontecendo". Levantou-se e começou a andar de um lado para o outro da sala. Como queria estar dormindo agora! Como queria que essa chaleira velha não tivesse atrapalhado o seu descanso! "É isso! Isso só pode ser um sonho. Não. É um pesadelo. Logo eu vou acordar, e tudo vai voltar ao normal..." Fechou os olhos e contou até três, desejando com todas as forças...

Mas, e se não for um pesadelo? E se for a mais pura realidade? Abriu os olhos. Laura ainda estava lá, suando muito, choramingando em seu desespero. "É real... e impossível. Merda, mas que diabos eu devo fazer?!" Essa situação inesperada fugia totalmente dos cálculos. Como única representante do departamento, era sua responsabilidade. Não havia ninguém em quem se apoiar, era a sua cabeça que estava em jogo. "Pense, pense... o que o Dr. Jamerson faria?"

Quando o Dr. Jamerson ainda estava a frente do departamento de neurologia do Instituto, ele o comandava com pulso de ferro. A Dra. Duarte o considerava seu mentor, um exemplo a ser seguido. Fora ele, pessoalmente, quem lhe escolhera como sua "sucessora", e isso a envaidecia. "O Doutor não se desesperaria, se estivesse nessa situação. Ele agiria. Não se esqueça da sua meta, do seu objetivo... concentre-se!" repetiu a Doutora para si mesma. Não podia se deixar levar pelas emoções. "Seja fria. Tem que haver uma explicação, eu só não estou me concentrando o bastante..."

Lembrou-se de uma informação muito importante. Depois de deixar bem claro que seus cálculos jamais poderiam estar errados, o Dr. Jamerson lhe instruíra a comunicar-se diretamente com ele, caso alguma coisa fora do padrão ocorresse. "Por mínima que seja. Para que você não se preocupe, Amélia, isso é apenas uma garantia. Ligue diretamente para esse número.", dissera. Ele lhe dera um número de celular. "O seu número particular... devo ligar?", ponderou a Doutora. Naquela época, seria interessante ter um motivo para falar com ele. É interessante como as coisas mudam.

Resolveu ligar. Se alguém podia acalmá-la, seria ele. Já podia sentir a tranquilidade na sua voz ao dizer que estava tudo bem, que ela não precisava se preocupar. Mesmo assim, não conseguiu conter o nervosismo enquanto esperava que ele atendesse. Não seria melhor desligar? "Laura pode ter se enganado, eu não deveria incomodá-lo sem ter certeza absoluta do fato...". Antes que pudesse concluir esse pensamento, porém, ouviu a voz dele do outro lado da linha.

- Alõ?

Entre falar e calar-se, a Doutora acabou se engasgando. Só agora percebera que ligara do seu celular. Não há como voltar atrás, ele veria o seu número. Tinha que ir até o fim.

- Dr. Jamerson... eu...

- Amélia? É você? - perguntou. Ela hesitou. Depois de alguns segundos em silêncio, disse:

- ... ele acordou.

Continua!


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Mail by Bruno Felix Amaral is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
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